Autonomia e Financiamento Público

 

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 conceito de liberdade criadora, base da autonomia, desdobra-se, para que se torne efetivo, na necessidade de financiamento público de todas as atividades essenciais ao ambiente universitário, ou seja, o ensino, a pesquisa e a extensão. Neste sentido, um orçamento geral, sem alocação pré-definida de verbas, é condição essencial para o exercício da liberdade criadora.

A partir desse princípio fundamental, decorrem outros, igualmente importantes, que necessitam ser explicitados de forma a garantir a plena compreensão da autonomia por nós defendida.

A universidade deve dirigir o seu próprio destino, inclusive escolhendo seus dirigentes, uma vez que a universidade é uma instituição vinculada ao Estado e não ao Governo. Cabe a este criar as condições plenas para o exercício da autonomia universitária prevista na Constituição Federal do Brasil através do artigo 207, uma vez que este artigo não prevê nem lei ordinária e nem lei complementar para a sua regulamentação. Assim sendo, o Governo tem o compromisso de criar condições para o exercício de autonomia, através de políticas públicas.

A dimensão da autonomia aqui expressa busca identificar um aspecto fundamental para o pleno funcionamento da Universidade: sua autonomia em relação aos poderes econômico e político. Com isso, ganha a sociedade que deverá ter na Universidade um espaço livre para a reflexão crítica.

Dessa forma, cabe à comunidade da UFBA a imediata reabertura do debate sobre as propostas de reforma. A comunidade universitária precisa se debruçar intensamente sobre tal questão de maneira a garantir clara defesa do sistema público universitário que vem sendo ameaçado por diversos projetos que estão tramitando no Congresso Nacional, entre os quais o Projeto da Reforma Universitária do atual Governo.

Dados sobre o financiamento da universidade pública no Brasil demonstram claramente as tensões originárias do poder político e do mercado. Há o enfraquecimento do conjunto de universidades públicas e o fortalecimento dos entes privados de educação superior. No período de 1989 a 2001, “o total de recursos das Instituições Federais de Educação Superior (IFES) saiu de um patamar de 0,97% do PIB em 1989 (Governo Sarney), caindo para 0,57% do PIB, em 1992 (Governo Collor), recuperando-se, parcialmente, em 1994 (Governo Itamar), quando atinge 0,91% do PIB, para então iniciar um processo inexorável de queda, chegando a 0,61% do PIB em 2001 (Governo FHC), com leve recuperação em 2002 (0,64% do PIB)” (Pinto, J.   O acesso à educação superior no Brasil. Educação e Sociedade 25(88): 727-756). Como vê-se, ao longo dos últimos anos, no governo Lula, observou-se uma leve recuperação nesse índice sem contudo atingir, nem mesmo, o patamar do governo Itamar.

Em função da falta de compromisso dos últimos governos com a Universidade Pública, esta se voltou drasticamente para um processo de captação de recursos extra-orçamentários fragmentados que comprometem sua autonomia e sua produção crítica, trazendo para o espaço universitário a presença de patrocinadores e financiadores que distorcem o caráter público do ensino, da pesquisa e da extensão. Verbas complementares, oriundas de projetos específicos, são sempre bem vindas, desde que esse aporte não leve ao estrangulamento da liberdade necessária para a criação de novos conhecimentos e culturas.

Ressalte-se que esse modelo de captação de recursos extra-orçamentários, do qual surgem os cursos pagos, as taxas acadêmicas, o financiamento da pesquisa e da pós-graduação, fragmentado por agências públicas e privadas, e o gerenciamento de recursos por fundações de direito privado, fortalecem os interesses privatistas em detrimento do caráter público da universidade. Na nossa Universidade, o caso da Fundação Baiana de Cardiologia (FBC) é um exemplo paradigmático e não é o único. No sentido da superação desse modelo e da busca da autonomia plena, tal como já explicitamos, amplas discussões deverão ser realizadas na universidade.

É necessário discutir, também, sobre a aplicação de recursos públicos em universidades privadas. A esse respeito, a atuação da universidade no plano externo - no âmbito do Ministério da Educação, na ANDIFES e em outras esferas públicas - deve sempre enfatizar que os recursos públicos para a educação, escassos e que precisam ser ampliados, devem ser aplicados nos entes públicos do sistema. 

Note-se, ainda, que a fragmentação do financiamento das universidades tem levado, no plano interno, à introdução de práticas mercantis nas atividades fins e à apropriação privada de meios de trabalho.       

Torna-se imperativo resgatar a dimensão pública dos campi universitários. Essa é uma das tarefas e desafios fundamentais deste momento de enfrentamento das dificuldades que têm levado a universidade à busca desenfreada de financiamento privado. Para cumprir esse objetivo, o reitorado da UFBA precisa ser a expressão política da vontade coletiva da instituição e da defesa da universidade pública, atuando de forma ativa junto à sociedade e ao conjunto de órgãos institucionais, como a ANDIFES.